Somos livres para escolher o que consumimos?
A indústria cultural decide mais do que imaginamos.
O mundo mudou.
Hoje ele é efêmero. Um culto ao descartável.
Estamos cercados por coisas que parecem feitas para não durar: aparelhos que quebram logo após a garantia, tendências que mudam a cada dia, histórias que consumimos e esquecemos com a mesma rapidez.
Trocar. Descartar. Esquecer.
Melhor seria se essa lógica da substituição tivesse contaminado apenas os produtos que consumimos. Mas não. Ela também contaminou a arte.
Prazer, indústria cultural.
A indústria cultural tenta nos colocar em caixas. Porquê? Porque o previsível vende, o familiar acalma.
Produtos culturais previsíveis e repetitivos não desafiam nossas mentes, mas nos mantêm confortavelmente distraídos. Essa lógica, de tão incorporada, nos empurra a aceitar que tudo pode — e deve — ser substituído, inclusive nossas experiências e memórias.
Espontaneidade → Eficiência
Inesperado → Planejado
Ousado → Seguro
Perdemos a capacidade de interpretar e julgar criticamente. Ela oferece produtos tão padronizados que já chegam prontos para o consumo, sem exigir esforço ou reflexão. Filmes previsíveis e tramas musicais óbvias nos treinam para aceitar uma experiência cultural "mastigada". É como se a indústria dissesse:
"Não pense, apenas consuma".
Por que isso importa?
Porque não se trata apenas do que consumimos, mas de como isso molda a forma como enxergamos o mundo.
Quando aceitamos o previsível, deixamos de buscar algo que nos faça sentir. Sentir de verdade.
E o que será que há de novo que nos faça sentir? Algo que nos faça parar por um instante e olhar por outro ângulo. Como quem descobre uma porta onde antes só havia parede.
Pensando em tudo isso, me veio à mente uma reflexão de Quentin Tarantino no podcast de Joe Rogan (1:55:40). Ele falou sobre como as séries dominaram a cultura pop, mas que raramente deixam um impacto duradouro. "Você pode assistir a uma série inteira, passar 10 horas com ela, mas depois não lembra de nenhuma cena específica. Com filmes, é diferente: uma cena pode ficar com você para sempre," ele disse.
Severance: uma ruptura necessária na cultura pop
Felizmente existem exceções. Entre as produções recentes, há algo que me fez sentir um certo alívio nesse mar de previsibilidade: a série Severance (Ruptura, em português). Enquanto muitas séries se perdem em fórmulas fáceis e tramas que parecem escritas por algoritmos, Severance faz o oposto. Ela nos desafia com uma narrativa que mistura mistério, reflexão e uma estética única.
A premissa, em que os funcionários de uma empresa têm suas memórias divididas entre o trabalho e a vida pessoal, nos coloca frente a frente com questões sobre identidade, liberdade e a própria ideia de separação entre quem somos e o que fazemos. Não é uma história fácil de digerir, e talvez seja por isso que ela funcione tão bem. Ela exige algo de nós.
Com a segunda temporada no ar, Severance reafirma que é possível criar algo original e marcante, mesmo dentro de uma indústria saturada. Ao todo, a segunda temporada de Ruptura irá contar com dez episódios, lançados sempre às sextas-feiras no Apple TV. Hoje vai ao ar o oitavo episódio da segunda temporada.
Seja uma série ou um filme, talvez o que mais precisamos agora sejam histórias que não só entretenham, mas que também nos lembrem do que é sentir de verdade.
Afinal, não é esse o papel mais bonito da arte?
📺 Para quem não assistiu à primeira temporada de Severance, segue o trailer da série.
⏪ Para quem já assistiu, mas quer relembrar tudo, aqui está um vídeo no YouTube que explica toda a primeira temporada em menos de 10 minutos. Veja o resumo explicado em inglês ou em português.
🎬 Quer ler mais sobre a indústria cultural? Temos um post completo sobre o tema no blog do The Post.
Oiii... vou usar para introduzir o debate a respeito de cultura de massa na sala de aula. Muito obrigado!!! E parabéns!!
Excelente texto! Reflexão necessária de ser feita por todos nós!